"Julgamos que faça parte de umespírito civilizado emnossaépocater travado contatocom a forma de pensamentocríticopeculiarmentemoderno e oportuno e que chamamos sociologia. Mesmoaquelesquenão encontram nessa atividadeintelectualseuprópriodemônioparticular, como se expressou Weber, tornar-se-ão, através desse contato, umpoucomenosobstinadosemseuspreconceitos, umpoucomais cuidadosos emseus comprometimentos e umpoucocéticosemrelação aos comprometimentos alheios – e talvezumpoucomaiscompassivosemsuasjornadasatravés da sociedade”.(Peter Berger, Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística) ·.
“Na entradapara a ciênciacomo na entrada do inferno, é precisoimpor a exigência: ‘Queaqui se afaste todasuspeita, que neste lugar se despreze todomedo (Dante Alighieri)’(Marx- Prefácio da Contribuiçãopara a Crítica da EconomiaPolítica)
O texto discute a tese weberiana do processo de racionalização e analisa como a concepção de vocação dos puritanos teria favorecido o desenvolvimento do ethos capitalista no Ocidente.
O texto comenta, sucintamente, o processo de formação dos Estados Nacionais, emblemático da chamada modernidade, e as construções das identidades étnicas e culturais relacionadas às concepções contemporâneas desses mesmos Estados que hoje enfrentam o fenômeno da desconstrução política, territorial e cultural.
O fenômeno dessa desconstrução é associado à transição para a pós-modernidade historicamente iniciada com a Nova Ordem Mundial por conseqüência da globalização econômica.
Procurei articular a teoria clássica da construção dos Estado Nacional - ponto de partida para a formação da modernidade -, e a transição para a pós-modernidade com as construções identitárias no mundo atual sob a ótica de autores da sociologia e da antropologia.
As imagens do referencial livro do jornalista Zuenir Ventura, “Cidade Partida” de 1994, mostram como a cidade do Rio de Janeiro deste início de século está profundamente segregada.
Mais do que um ponto de chegada, a construção literária de Zuenir nos remete a construções retóricas, teóricas e práticas de modelos urbanísticos correspondentes a um projeto de modernidade das elites brasileiras nas cidades:
“Desde a reforma de PereiraPassos e passando pelosplanos Agache e Doxiadis, a opção foi semprepelaseparação, senãopelasimples segregação. A cidade civilizou-se e modernizou-se expulsando para os morros e periferiaseuscidadãos de segundaclasse. O resultado dessa política foi uma cidadepartida. (...)” VENTURA, Zuenir. “CidadePartida”. Companhia das Letras, 1994 (p.13).
Na passagem do século XIX para o século XX, o urbanismo, tal como é entendido hoje, estrutura-se de uma maneira científica e, captando várias formas do pensamento, converge para o ato de pensar e fazer a cidade, independente da contestação ou da manutenção da urbe irremediavelmente capitalista.
A implantação do projeto ideológico da República brasileira atravessou as décadas iniciais do século XX e a partir dos anos 1920, com o inicio da industrialização do país, a cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, passa por transformações radicais em seu ambiente urbano. A atividade industrial concentrada nos centros urbanos e os empregos criados pelas fábricas estimulam o deslocamento das populações para a cidade.
É desta década o segundo plano urbanístico da cidade, o Plano Agache que , assim como o plano anterior do Prefeito Pereira Passos, buscava embelezar a cidade instituindo várias regras para a ocupação ordenada dos espaços, separando áreas para moradia, comércio ou indústrias. Nessa época surgem também os primeiros regulamentos para a construção de prédios (os arranha-céus), pois a inovação tecnológica do concreto armado começava a ser utilizada. O primeiro grande código de obras, que reunia todas as regras para as construções e a ocupação da cidade foi editado a partir deste plano, em 1937.
Nesse contexto, Alfred Agache aplica todo o seu refinamento de urbanista e explora as limitações da Reforma Pereira Passos que não foi capaz de medir a extensão de suas medidas frente a novos problemas colocados em termos humanísticos, espaciais, políticos e econômicos originários do crescimento da cidade.
O diferencial de Agache residiu na capacidade de observar, pensar e aplicar conceitos a área urbana integrando homens, serviços e máquinas à paisagem, desenvolvendo padrões de embelezamento junto a ajustes na tradição e no conservadorismo embutidos na modernidade da cidade.
Dois aspectos realçam as características conservadoras do Plano Agache. O primeiro está ligado a aplicação rígida nos zoneamentos e pela segregação de segmentos sociais, componentes que esvaziaram seus componentes ideológicos mais explícitos, abrandados pela especificidade tecnicista do urbanismo.
As intervenções urbanas no Centro da cidade exemplificam essas características de Agache. A Cinelândia definiu, efetivamente, a criação de um corredor que marcava o espaço entre a cidade norte e a cidade sul, entre a cidade provincial e a cidade moderna. Um corredor de tensão entre o mundo do trabalho e o mundo da cidade-capital.
O segundo exemplo, respalda o mencionado abrandamento da questão ideológica por conta da construção do Estado Novo varguista, que desenvolve um moralismo urbano simbolizado na nova divisão espacial da cidade, juntamente com um Estado fisicamente visível na monumentalidade dos projetos de Agache.
Portanto, o planejamento urbano de Alfred Agache dividiu a cidade em unidades espaciais apropriadas as manifestações particulares de cada grupo social, adaptando-as aos interesses do Estado e oficializando a separação das classes sociais no espaço urbano.
O Plano deixou algumas referências que terminaram por ser implementadas, como a abertura da Avenida Presidente Vargas, que expulsaria mais gente pobre da área central ,”partindo” definitivamente a cidade e condenando as favelas à erradicação.
Ao longo do século XX, os estudos das cidades e dos fenômenos urbanos motivaram uma admirável e controversa sistematização intelectual. No mundo de hoje , esses estudos requerem uma atualização para posicionar a cidade e os seus efeitos no contexto da pós-modernidade.
Qualquer teorização que se pretenda fazersobre a implantação da modernidade na urbeRio de Janeirocomcerteza fará referências ao contexto da construção da naçãobrasileira na transição do século XIX para o século XX . A partir dos seuspilaresbásicos: a abolição da escravidão e a implantação da Repúblicarespectivamente ocorridos em 1888 e 1889 , essesfatos produziram uma seqüência , cronológica e ideologicamente veloz, que deu o tom ao inicio da modernidade na cidade do Rio de Janeiro.
O Estado implantado com a República tutelou essa construção modernizadora. Na condição de capital da recém -implantada República, o Rio de Janeiro buscava a visibilidademoderna a partir do reordenamento urbano, social e estéticoiniciadocom o “bota-abaixo” do PrefeitoPereiraPassos(1902-1906) , nomepopularque ficou conhecida a remodelação da cidade do Rio de JaneiroPara a populaçãocariocapobre, o “bota-abaixo”eraissomesmo: a destruição de suasreferências de vidaurbanaque soçobravam emmeio ao nome de uma capitalcomareseuropeus, bonita e moderna: a “Europa Possível”.
No entanto, no meio dos escombros e da beleza da Reforma PereiraPassos, a questãosocial, obscura e marginal, emergia.
O federalismo implantado da República discriminava. As relações do Estadocom a sociedade eram distorcidas e, invariavelmente, resolvidas com o uso da forçafísica e da repressãopolicial. Duranteanos a regra foi essa. Foi assimcomCanudos, com Contestado, com a Revolta da Armada e durante a Revolta da Vacina.
Em 1904, emplenagestãoPereiraPassos, investido pelospoderesextraordinários do entãoPresidente Rodrigues Alves (1902-1906). , a capital da República da época, jáera uma cidadecom acentuados problemasurbanos e sociais: pobreza, miséria, desemprego, lixoaglomerado nas ruas, ratos e mosquitostransmissores de doenças. Centenas de pessoas morriam comoresultado das epidemias de febreamarela e varíola.
Na perspectiva e na pressa da modernização, o governo decidiu tomarmedidas drásticas paracombater as epidemias.
Para combatê-las, o governo contou com a competência e com a atuaçãoenérgica do médicosanitarista Osvaldo Cruz, diretor da SaúdePública, que convenceu o presidente Rodrigues Alves a decretar a lei da vacinação obrigatóriacontra a varíola. Umverdadeiroexército de funcionários da Saúde começou a sair pelas ruas e pelas casas destruindo os focos de ratos e de mosquitos. A população, entretanto, não foi devidamenteesclarecida da necessidade da vacina.
Faltava informação e sobrava a desconfiança de malandros, mulatas, biscateiros, negrosmeninos, prostitutas, capoeiras e operáriosquanto aquela Repúblicaqueeles, atéali, assistiam bestializados. Faltava reconhecimentopopular e contatocom aquela sociedadepolíticaque invadia lares na pressa de curar as mazelas do Rio de Janeiro.
Em 15 anos, a República desceu dos cavalos, saiu do Campo de Sant’ Anna e invadiu o restante do centro do Rio de Janeiro. Eram a higienização e a moralidadecomopolíticas publicas para a superação da questãosocial.
A populaçãopobre da sociedade reagiu à vacinaobrigatória:
“Parece propósitofirme do governoviolentar a população desta capitalportodos os meios e modos. Comonão bastassem o Código de Torturas e a vacinação obrigatória, entendeu provoca essas arruaçasque, há doisdiasjá, trazem emsobressalto o povo”. Correio da Manhã, 12 de novembro de 1904.
“Enquanto se perde tempo e se despende energia nessa agitaçãoinjustificável a pretexto da vacinação obrigatória, vamos deixando de lado as questõesquerealmentenos interessam e que afetam vivamente a situação do país. (...)”.
O Paiz, 13 de novembro de 1904·
Exatamentecemanosdepois da RevoltaVacina, o Rio de Janeiro, a cidademaravilha, purgatório da beleza e do caos, assiste a umprocessointenso de debatessobre o destino doscortiçosdo século XXI.
As posturas daqueles que defendem a integração da favela a cidade, chocam-se com as de outrosque preferem a solução do “bota-abaixo”.
A questãosanitária, maisexatamente a questão da natalidade, retorna a cena e é colocada comoumfatordeterminante do crescimentodesordenado das favelas. É fatoque os índices de natalidade nas áreas favelizadas da cidade ,remontam a índices de 50 anosatrás. De fato, os estatísticos afirmam que o crescimento populacional nas favelas é quatrovezessuperior ao da cidade. Umretrocessoque deve ser creditado a incompetência e ao descaso da realização de políticas públicas, leia-se a históricaquestãosocial .
A cidade naturalizada nãoquer e não tolera a favela. O senso-comum quer a remoçãoassimcomoquer acamisinhae a laqueadura no controle da natalidade.
Contudonão há outromodo de revertertalsituaçãosementender e superartodos os problemasque existem nas áreas de favelas, do sanitário e demográfico ao policial passando peloeducacional.
O olharcontemporâneopara o mundo é o olharcadavezmais a partir do local. É visão de cidadecompleta e integrada, mesmoque, aparentedesatino, seja uma cidade demorada.
Nossa modernidade citadina é como foi gestada: autoritária e excludente. Corre-se o risco de estimarmos a pós-modernidade sem resolvermos, em vastas áreas urbanas no Rio de Janeiro, as demandas da modernidade.
Como considerou José Murilo de Carvalho, “ástarefasqueatéagoranos ocuparam, quais sejam, construir o Estado (século XIX) e construir a nação(século XX) ,deve ser acrescentada,a tarefacadavezmaisimportante de construir a sociedade “[1]
[1]CARVALHO, José Murilo. “Cidadania na encruzilhada”. In: BIGNOTTO, Newton (org.) Pensar a República. Editora UFMG, 2002 (p.124)
Produto do "Bota-Abaixo" Avenida Central (1906), depois Avenida Rio Branco em 1912.