"Julgamos que faça parte de umespírito civilizado emnossaépocater travado contatocom a forma de pensamentocríticopeculiarmentemoderno e oportuno e que chamamos sociologia. Mesmoaquelesquenão encontram nessa atividadeintelectualseuprópriodemônioparticular, como se expressou Weber, tornar-se-ão, através desse contato, umpoucomenosobstinadosemseuspreconceitos, umpoucomais cuidadosos emseus comprometimentos e umpoucocéticosemrelação aos comprometimentos alheios – e talvezumpoucomaiscompassivosemsuasjornadasatravés da sociedade”.(Peter Berger, Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística) ·.
“Na entradapara a ciênciacomo na entrada do inferno, é precisoimpor a exigência: ‘Queaqui se afaste todasuspeita, que neste lugar se despreze todomedo (Dante Alighieri)’(Marx- Prefácio da Contribuiçãopara a Crítica da EconomiaPolítica)
Qualquer teorização que se pretenda fazersobre a implantação da modernidade na urbeRio de Janeirocomcerteza fará referências ao contexto da construção da naçãobrasileira na transição do século XIX para o século XX . A partir dos seuspilaresbásicos: a abolição da escravidão e a implantação da Repúblicarespectivamente ocorridos em 1888 e 1889 , essesfatos produziram uma seqüência , cronológica e ideologicamente veloz, que deu o tom ao inicio da modernidade na cidade do Rio de Janeiro.
O Estado implantado com a República tutelou essa construção modernizadora. Na condição de capital da recém -implantada República, o Rio de Janeiro buscava a visibilidademoderna a partir do reordenamento urbano, social e estéticoiniciadocom o “bota-abaixo” do PrefeitoPereiraPassos(1902-1906) , nomepopularque ficou conhecida a remodelação da cidade do Rio de JaneiroPara a populaçãocariocapobre, o “bota-abaixo”eraissomesmo: a destruição de suasreferências de vidaurbanaque soçobravam emmeio ao nome de uma capitalcomareseuropeus, bonita e moderna: a “Europa Possível”.
No entanto, no meio dos escombros e da beleza da Reforma PereiraPassos, a questãosocial, obscura e marginal, emergia.
O federalismo implantado da República discriminava. As relações do Estadocom a sociedade eram distorcidas e, invariavelmente, resolvidas com o uso da forçafísica e da repressãopolicial. Duranteanos a regra foi essa. Foi assimcomCanudos, com Contestado, com a Revolta da Armada e durante a Revolta da Vacina.
Em 1904, emplenagestãoPereiraPassos, investido pelospoderesextraordinários do entãoPresidente Rodrigues Alves (1902-1906). , a capital da República da época, jáera uma cidadecom acentuados problemasurbanos e sociais: pobreza, miséria, desemprego, lixoaglomerado nas ruas, ratos e mosquitostransmissores de doenças. Centenas de pessoas morriam comoresultado das epidemias de febreamarela e varíola.
Na perspectiva e na pressa da modernização, o governo decidiu tomarmedidas drásticas paracombater as epidemias.
Para combatê-las, o governo contou com a competência e com a atuaçãoenérgica do médicosanitarista Osvaldo Cruz, diretor da SaúdePública, que convenceu o presidente Rodrigues Alves a decretar a lei da vacinação obrigatóriacontra a varíola. Umverdadeiroexército de funcionários da Saúde começou a sair pelas ruas e pelas casas destruindo os focos de ratos e de mosquitos. A população, entretanto, não foi devidamenteesclarecida da necessidade da vacina.
Faltava informação e sobrava a desconfiança de malandros, mulatas, biscateiros, negrosmeninos, prostitutas, capoeiras e operáriosquanto aquela Repúblicaqueeles, atéali, assistiam bestializados. Faltava reconhecimentopopular e contatocom aquela sociedadepolíticaque invadia lares na pressa de curar as mazelas do Rio de Janeiro.
Em 15 anos, a República desceu dos cavalos, saiu do Campo de Sant’ Anna e invadiu o restante do centro do Rio de Janeiro. Eram a higienização e a moralidadecomopolíticas publicas para a superação da questãosocial.
A populaçãopobre da sociedade reagiu à vacinaobrigatória:
“Parece propósitofirme do governoviolentar a população desta capitalportodos os meios e modos. Comonão bastassem o Código de Torturas e a vacinação obrigatória, entendeu provoca essas arruaçasque, há doisdiasjá, trazem emsobressalto o povo”. Correio da Manhã, 12 de novembro de 1904.
“Enquanto se perde tempo e se despende energia nessa agitaçãoinjustificável a pretexto da vacinação obrigatória, vamos deixando de lado as questõesquerealmentenos interessam e que afetam vivamente a situação do país. (...)”.
O Paiz, 13 de novembro de 1904·
Exatamentecemanosdepois da RevoltaVacina, o Rio de Janeiro, a cidademaravilha, purgatório da beleza e do caos, assiste a umprocessointenso de debatessobre o destino doscortiçosdo século XXI.
As posturas daqueles que defendem a integração da favela a cidade, chocam-se com as de outrosque preferem a solução do “bota-abaixo”.
A questãosanitária, maisexatamente a questão da natalidade, retorna a cena e é colocada comoumfatordeterminante do crescimentodesordenado das favelas. É fatoque os índices de natalidade nas áreas favelizadas da cidade ,remontam a índices de 50 anosatrás. De fato, os estatísticos afirmam que o crescimento populacional nas favelas é quatrovezessuperior ao da cidade. Umretrocessoque deve ser creditado a incompetência e ao descaso da realização de políticas públicas, leia-se a históricaquestãosocial .
A cidade naturalizada nãoquer e não tolera a favela. O senso-comum quer a remoçãoassimcomoquer acamisinhae a laqueadura no controle da natalidade.
Contudonão há outromodo de revertertalsituaçãosementender e superartodos os problemasque existem nas áreas de favelas, do sanitário e demográfico ao policial passando peloeducacional.
O olharcontemporâneopara o mundo é o olharcadavezmais a partir do local. É visão de cidadecompleta e integrada, mesmoque, aparentedesatino, seja uma cidade demorada.
Nossa modernidade citadina é como foi gestada: autoritária e excludente. Corre-se o risco de estimarmos a pós-modernidade sem resolvermos, em vastas áreas urbanas no Rio de Janeiro, as demandas da modernidade.
Como considerou José Murilo de Carvalho, “ástarefasqueatéagoranos ocuparam, quais sejam, construir o Estado (século XIX) e construir a nação(século XX) ,deve ser acrescentada,a tarefacadavezmaisimportante de construir a sociedade “[1]
[1]CARVALHO, José Murilo. “Cidadania na encruzilhada”. In: BIGNOTTO, Newton (org.) Pensar a República. Editora UFMG, 2002 (p.124)
Produto do "Bota-Abaixo" Avenida Central (1906), depois Avenida Rio Branco em 1912.
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