"Julgamos que faça parte de um espírito civilizado em nossa época ter travado contato com a forma de pensamento crítico peculiarmente moderno e oportuno e que chamamos sociologia. Mesmo aqueles que não encontram nessa atividade intelectual seu próprio demônio particular, como se expressou Weber, tornar-se-ão, através desse contato, um pouco menos obstinados em seus preconceitos, um pouco mais cuidadosos em seus comprometimentos e um pouco céticos em relação aos comprometimentos alheios – e talvez um pouco mais compassivos em suas jornadas através da sociedade”.(Peter Berger, Perspectivas Sociológicas: uma visão humanística) ·.

“Na entrada para a ciência como na entrada do inferno, é preciso impor a exigência: ‘Que aqui se afaste toda suspeita, que neste lugar se despreze todo medo (Dante Alighieri)’(Marx- Prefácio da Contribuição para a Crítica da Economia Política)

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Textos do autor: CIDADE E MODERNIDADE (2004) Baixe em PDF :


 CIDADE E MODERNIDADE


Qualquer teorização que se pretenda fazer sobre a implantação da modernidade  na urbe Rio de Janeiro com certeza  fará referências  ao contexto da construção da nação brasileira   na transição do século XIX para o século XX . A partir dos seus pilares básicos: a abolição da escravidão e a implantação da República respectivamente ocorridos em 1888 e 1889 ,  esses fatos  produziram uma seqüência , cronológica e ideologicamente veloz, que deu   o tom ao inicio da  modernidade na cidade do Rio de Janeiro.
O Estado implantado com a República tutelou essa construção modernizadora. Na condição de capital da recém -implantada República, o Rio de Janeiro buscava a visibilidade moderna  a partir do reordenamento urbano, socialestético iniciado com   o “bota-abaixo” do Prefeito Pereira Passos(1902-1906) , nome popular que ficou conhecida  a remodelação da cidade do Rio de Janeiro Para a população carioca pobre, o “bota-abaixo” era isso mesmo: a destruição de suas referências de vida urbana que soçobravam em meio ao nome de uma capital com ares europeus, bonita e moderna:  a “Europa Possível”.
No entanto, no meio dos escombros e da beleza da Reforma Pereira Passos, a questão social,  obscura e marginal, emergia.
O federalismo implantado da República discriminava. As relações do Estado com a sociedade eram distorcidas e, invariavelmente, resolvidas com o uso da força física e da repressão policial. Durante anos a regra foi essa. Foi assim com Canudos, com Contestado, com a Revolta da Armada e durante a Revolta da Vacina.
Em 1904, em plena gestão Pereira Passos, investido pelos poderes extraordinários do então Presidente Rodrigues Alves (1902-1906). , a capital da República da época, era uma cidade com acentuados problemas urbanos e sociais: pobreza, miséria, desemprego, lixo aglomerado nas ruas, ratos e mosquitos transmissores de doenças. Centenas de pessoas morriam como resultado das epidemias de febre amarela e varíola.
Na perspectiva e na pressa da modernização, o governo decidiu tomar medidas drásticas para combater as epidemias.
Para combatê-las, o governo contou com a competência e com a atuação enérgica do médico sanitarista Osvaldo Cruz, diretor da Saúde Pública, que convenceu o presidente Rodrigues Alves a decretar a lei da vacinação obrigatória contra a varíola. Um verdadeiro exército de funcionários da Saúde começou a sair pelas ruas e pelas casas destruindo os focos de ratos e de mosquitos. A população, entretanto, não foi devidamente esclarecida da necessidade da vacina.
Faltava informação e sobrava a desconfiança de malandros, mulatas, biscateiros, negros meninos, prostitutas, capoeiras e operários  quanto aquela República que eles, até ali, assistiam bestializados. Faltava reconhecimento popular e contato com aquela sociedade política que invadia lares na pressa de curar  as mazelas do Rio de Janeiro.
Em 15 anos, a República desceu dos cavalos, saiu do Campo de Sant’ Anna e invadiu o restante do centro do Rio de Janeiro. Eram a higienização e a moralidade como políticas publicas para a superação da questão social.

A população pobre da sociedade reagiu à vacina obrigatória:



Parece propósito firme do governo violentar a população desta capital por todos os meios e modos. Como não bastassem o Código de Torturas e a vacinação obrigatória, entendeu provoca essas arruaças que, há dois dias , trazem em sobressalto o povo”. Correio da Manhã, 12 de novembro de 1904.
Enquanto se perde tempo e se despende energia nessa agitação injustificável a pretexto da vacinação obrigatória, vamos deixando de lado as questões que realmente nos interessam e que afetam vivamente a situação do país. (...)”.
O Paiz, 13 de novembro de 1904·



Exatamente cem anos depois da Revolta Vacina, o Rio de Janeiro, a cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos, assiste a um processo intenso de debates sobre o destino dos cortiços do século XXI.
As posturas daqueles que defendem a integração da favela a cidade, chocam-se com as de outros que preferem a solução do “bota-abaixo”.
A questão sanitária, mais exatamente a questão da natalidade, retorna a cena e é colocada como um fator determinante do crescimento desordenado das favelas. É fato que os índices de natalidade nas áreas favelizadas da cidade  ,remontam a índices de 50 anos atrás. De fato, os estatísticos afirmam que o crescimento populacional nas favelas é quatro vezes  superior ao da cidade. Um retrocesso que deve ser creditado a incompetência e ao descaso da realização de políticas públicas, leia-se  a histórica questão social .
A cidade naturalizada não quer e não tolera a favela. O senso-comum quer a remoção assim como quer a camisinha e a laqueadura no controle da natalidade.
Contudo nãooutro modo de reverter tal situação sem entender e superar todos os problemas que existem nas áreas de favelas, do sanitário e demográfico ao policial passando pelo educacional.
O olhar contemporâneo para o mundo é o olhar cada vez mais a partir do local. É visão de cidade completa e integrada, mesmo que, aparente desatino, seja uma cidade demorada.
Nossa modernidade citadina é como foi gestada: autoritária e excludente.  Corre-se o risco de estimarmos a pós-modernidade sem resolvermos, em vastas áreas urbanas no Rio de Janeiro, as demandas da modernidade.
Como considerou José Murilo de Carvalho, “ás tarefas que até agora nos ocuparam, quais sejam, construir o Estado (século XIX) e construir  a nação(século XX) ,deve ser acrescentada,a tarefa cada vez mais importante de construir a sociedade[1]



[1] CARVALHO, José Murilo. “Cidadania na encruzilhada”. In: BIGNOTTO, Newton (org.) Pensar a República. Editora UFMG, 2002 (p.124)
Produto do "Bota-Abaixo" Avenida Central (1906), depois Avenida Rio Branco em 1912.


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